Crônicas de um Homem Morto

11 março 2012

A dona do vestido - Parte XXXV

Era inegável que, em qualquer outra pessoa, aquele vestido seria tão comum quanto um pão no café-da-manhã. O roçar nos joelhos da bainha ou as alças que pouco cobriam os seus ombros - nada disso era diferente do que podemos ver além da porta de entrada do restaurante semivazio e completamente decadente no qual estávamos.

Porém, as passadas do vestido tinham espectadores, embora não se possa dizer o mesmo para a sua dona em relação ao caminho por ela percorrido. Não fosse a destreza do garçom, o leve amarelo que dominava a sua vestimenta ganharia alguns tons de café.

Sem ligar para o desespero do garçom, tomou para si uma mesa onde havia ainda mais cinco lugares. E em poucos minutos, quatro deles foram preenchidos. Aos cumprimentos, seguiram-se o que eu posso julgar de elogios, sempre acompanhados de um leve sorriso e uma arrumada na mecha que pendia sobre o seu olho esquerdo.

A conversa era animada, com sorrisos, risadas e gestos a pontuá-la. Mas a dona do vestido não parecia conectar em nenhum momento. Quando ouvinte, levava a bebida à boca, como se estivesse procurando distração. Os olhos por vezes ganhavam o infinito, decerto acompanhando a sua imaginação. Nas raras vezes que falava, era através de fases curtas, onde logo era interrompida.  Quase sempre era o membro do grupo que falava mais alto e que não me pareceu ter muita educação.

Enquanto chamava o garçom para dar fim à minha presença ali, a dona do vestido levantou. Procurando a janela, a alcançou com um telefone na mão. Assim, rapidamente, já em frases que pareciam bem mais animadas, falou rapidamente e se voltou ao seu lugar. Em alguns minutos, o lugar ao seu lado seria ocupado.

Ela começou a falar. E voltou a sorrir.

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